ANÁLISE: Universidade precisa ser livre para poder abrir mão da pesquisa

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"Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa", diz a sabedoria popular. E, frequentemente, quando tentamos transformar o um em outro sem que as condições estejam dadas, acabamos produzindo confusões, quando não criamos quimeras.

Com o ensino superior não é diferente. O artigo 207 da Constituição reza: "As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão". Temos aqui várias ficções constitucionais, mas é na última delas que eu gostaria de me concentrar. O que quer dizer indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão?

Para simplificar um pouco, tiremos a extensão dessa equação –é forçoso reconhecer que essa é uma atividade lateral na universidade.

Isso nos deixa com ensino e pesquisa. Eles devem ser mesmo tratados como indissociáveis? O consenso dizia que as duas atividades são tão complementares e sinérgicas que é justamente sua confluência num único espaço o que diferencia universidades de outras instituições educacionais ou científicas.

Professores que pesquisam, diz o raciocínio, tendem a estar na vanguarda de suas áreas e conseguem passar antes e com muito mais entusiasmo o resultado de suas experiências aos estudantes.

Parece bom mesmo. Mas esse efeito é real? Herbert W. Marsh (hoje em Oxford) e John Hattie (Universidade de Melbourne), em artigo de 2002, mostram que as coisas podem ser complicadas.

As tentativas de medir o fenômeno resultaram num quadro ambíguo, com algumas revisões sistemáticas.

Em geral, o vínculo virtuoso entre pesquisa e ensino não apareceu de forma robusta. Apareceu um pouco mais forte nas humanidades e nas ciências sociais, mas não nas ciências naturais.

Marsh e Hattie levantam uma série de argumentos racionais que já apareceram na literatura para sustentar que a relação entre pesquisa e ensino é neutra ou mesmo antagônica (a personalidade ideal do bom professor é diferente da do bom pesquisador).

Embora a questão ainda não esteja decidida, parece relativamente seguro afirmar que a indissociabilidade entre pesquisa e ensino não é o Santo Graal da vida universitária como se pensava.

Assim, a exigência constitucional soa mais como extemporaneidade. À época que a Carta foi aprovada, não havia razão para duvidar de que o mantra da inseparabilidade não estivesse certo.

Hoje, porém, o marco legal funciona mais como uma trava do que como incentivo.

Instituições com muita vocação para o ensino e nenhuma para a ciência básica precisam fingir que fazem pesquisa para se adequarem às regras. E não fingem muito bem. Os dados brutos do RUF mostram que apenas 10% das universidades brasileiras publicam mais de um trabalho por docente a cada dois anos.

A engambelação tem custo. Ela desvia recursos, pessoal e energias para algo que não está no seu DNA.

Parece mais racional desburocratizar exigências, deixando que cada instituição encontre o caminho que mais lhe convém. O Brasil precisa melhorar tanto seu ensino superior como sua pesquisa.

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