Efeito dos cortes para pesquisas só deve aparecer daqui a alguns anos

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Em meio à crise econômica, muitos pesquisadores têm conseguido tocar o dia a dia de seus laboratórios com recursos obtidos em anos anteriores, mas é difícil imaginar que eles conseguirão manter esse ritmo caso os severos cortes de verbas para o setor continuem por mais tempo.

E o efeito negativo da diminuição de recursos hoje pode acabar aparecendo apenas daqui a alguns anos.

"A palavra que resume a situação é ansiedade", diz Stevens Kastrup Rehen, especialista em células-tronco do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino.

"Ainda estamos trabalhando basicamente com a 'gordura' de projetos aprovados em 2014 e 2015. Temos tido um cuidado estressante para planejar cada passo dos experimentos. Mas isso também interfere na criatividade: você acaba evitando fazer aquele experimento mais ousado que poderia te dar um resultado inovador e importante, porque tem mais risco de dar errado", explica Rehen.

A situação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas é parecida, diz Ronald Cintra Shellard, diretor do órgão. "A gente tem a inércia propiciada pelos recursos recebidos no passado e consegue se segurar um tempo. O impacto vem a longo prazo –você vai acabar pagando caríssimo amanhã", diz Shellard.

BRASIL AFORA - Metade das universidades federais criadas recentemente está no Norte e no Nordeste do país

O bioquímico Hernan Chaimovich Guralnik, presidente do CNPq (principal agência federal de fomento à pesquisa), afirma que um possível sinal do impacto da crise aparece em algumas das bases de dados que indexam artigos publicados em revistas científicas internacionais.

"De 2014 para 2015, dependendo da base, há uma diminuição no ritmo do crescimento das publicações nacionais, mas não uma diminuição no número absoluto", diz ele. Segundo o presidente do CNPq, dois fatores que podem se refletir numa queda da produção científica daqui a alguns anos são o ritmo da formação de novos doutores e parcerias internacionais.

Jovens pesquisadores que estão concluindo seu doutorado neste ano, por exemplo, ainda podem contar com as bolsas aprovadas no começo da década, enquanto a chance de que um recém-formado seja contemplado com a mesma bolsa hoje é muito menor.

O CNPq cortou as bolsas de iniciação científica, incluindo graduação e ensino médio, de 34 mil para 26 mil ao longo dos próximos dois anos. Além disso, não tem concedido mais bolsas no exterior. "Isso afeta as colaborações internacionais e o impacto das publicações brasileiras", diz Guralnik.

O Orçamento do Ministério da Ciência é de R$ 4,1 bilhões –em valores corrigidos, é 52% menor do que o de 2010.

Mesmo países com forte tradição de universidades e centros de pesquisa privados, como os EUA, dependem de verbas públicas, que permitem a criação de estratégias nacionais de longo prazo. "Esse não é só o modelo brasileiro ou americano, é o terráqueo", brinca Rehen.

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