Opinião: Avaliação da educação superior deve beneficiar a sociedade

Adriano Vizoni/Folhapress
RIO DE JANEIRO - RJ - BRASIL, 18-08-2017, 16h00: ESPECIAL RUF 2017. Campus da UERJ, no bairro do Maracana. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, ESPECIAIS) ***EXCLUSIVO FSP***
Alunos no campus da UERJ, no bairro do Maracanã, no Rio de Janeiro
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Depois de ressuscitado, a euforia de Lázaro foi dando vazão à contagiante depressão. A mera troca de olhar com o redivivo poderia levar o exército de curiosos, amigos e admiradores a definhar de tristeza, até a morte. A ressurreição havia sido feita, mas não foi muito bem avaliada. O conto fantástico de Leonid Andreev nos demonstra que a dificuldade de desempenho da nova vida de Lázaro acabara por punir a própria sociedade.

A principal motivação da avaliação da educação superior é, justamente, beneficiar a sociedade, contemplá-la e atingi-la de tal forma que propicie o benefício de quem estuda, se diploma e pesquisa para o conjunto dos que não puderam fazê-lo.

Prevista em lei e presente em todo o processo de regulação e normas do MEC, a avaliação da educação superior brasileira é um exemplo internacional do desenvolvimento da política pública continuada e bem sucedida.

Como toda ação central em uma política, ela deve ser bem tratada, revista, atualizada e consignada aos desafios mutantes da conjuntura nacional e mundial.

Faz já 20 anos que a avaliação se tornou central para a expansão e manutenção do sistema de educação superior brasileiro. Muitos dos indicadores existentes foram criados há mais de dez anos.

É necessário verificar sua pertinência e utilidade aos desafios da sociedade e da economia baseada em conhecimento.

Um desses indicadores, criado em 2007 pelo MEC, refere-se ao CPC (Conceito Preliminar de Curso), que de preliminar, viu-se, nada teve.

À época sua criação deveu-se, provavelmente, como reforço mais direcionado à supervisão do que propriamente ao desenvolvimento acadêmico institucional. Sua composição integra dimensões ou variáveis avaliadas também por outros instrumentos, como a titulação docente, além de percentuais de relevantes outros indicadores de desempenho, como a nota Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes).

O cálculo do CPC é composto por 20% da nota do Enade, 30% relativos ao corpo docente, 35% do IDD (Indicador de Diferença dentre os Desempenhos Observado e Esperado) e 15 % da percepção dos seus estudantes.
O IDD representa o acúmulo de conhecimento e cultura que o curso superior adicionou em comparação a relativa posição de egresso do ensino médio. Já o corpo docente trata de titulação e regime de trabalho e, por fim, a percepção de estudantes é coletada por questionário aos que realizam o Enade.

Trata-se de um conceito de múltiplos fatores agregados, em que índices de desempenho, adicionados a insumos ou a fatores censitários e acrescidos de opiniões, pretendem estabelecer um perfil de qualidade do curso.

Deve-se aqui destacar, antes de tudo, que uma nota baixa do CPC submete, corretamente, o curso a um processo de supervisão pelo MEC. Isso faz bem, protege a sociedade e indica às instituições medidas urgentes de recuperação. Afinal, notas do CPC abaixo do mínimo são, qualquer que seja sua composição ou cálculo, expressão de baixa mobilização de qualidade.

Nossa questão aqui é outra, trata da utilidade do indicador às instituições que receberam as notas mais altas.

O país precisa, cada vez mais, que a avaliação vá além do incentivo às medidas contra os mínimos e alcance estímulos por meio dos conceitos máximos. É necessário reparar as perdas, mas é também essencial buscar os ganhos.

Com efeito, o cálculo do CPC minimiza a nota Enade, de desempenho de aprendizado dos estudantes, já relativizada em função da comparação, normalização e padronização com as notas entre os cursos da mesma área, também obscurece as perspectivas de utilização do IDD, como estímulo a bons currículos e ao desenvolvimento cultural verificado, repete o uso das variáveis do corpo docente. Por fim, limita a participação dos estudantes a um questionário, incapaz de expressar as experiências acadêmicas vividas. Tem sua utilidade, mas estamos em tempo de ampliá-la. O Inep vem adotando medidas positivas nessa direção.

As políticas de educação superior devem propiciar, especialmente pela avaliação, o fortalecimento das instituições de educação superior.

É necessário que elas reconheçam os desafios institucionais de forma a estabelecer compromissos consistentes com o processo de expansão e com a governança das próprias políticas institucionais acadêmicas. Sabe-se que a organização curricular está ou deveria estar no centro dessas políticas. Currículos não só conteúdos atualizados, mas mobilizadores de novas formas de aprendizado, de ampliação de práticas reais, de avaliação sistemática de desempenho discente que alcance, inclusive, o êxito dos egressos. A organização curricular deve estar associada à organização de pesquisa e da extensão, meios essenciais para a diversificação e reforço do aprendizado.

O CPC apesar do forte rebatimento regulatório corretivo, contribui pouco para o desenvolvimento institucional. Seus componentes, agregados em percentuais, não indicam as insuficiências de políticas institucionais ou da governança da gestão acadêmica, não interferem na organização curricular, não incentivam formas dinâmicas de aprendizado e nem acrescentam uma avaliação adequada dos concluintes.

As instituições de maior qualificação acadêmica do país se incomodam pouco com o CPC de seus cursos. Ele não as esclarece de seus limites ou de suas necessidades de desenvolvimento. As melhores instituições brasileiras, inclusive, podem ter modesta expressão no CPC ao se considerar o IDD de seus cursos, já que recebem estudantes com melhor desempenho no Enade.

A avaliação, em si mesma, com suas complexas formas de medidas, perde em relevância se não demonstrar sua ampla finalidade ou utilidade social. Impactos das universidades seja na apropriação do conhecimento para inovação e ampliação da competitividade econômica, seja para a oferta de recursos humanos qualificados e para a inclusão social pela formação profissional e cultural, podem ser estimulados pela avaliação.

Uma adequada avaliação talvez impedisse o ressuscitado de apenas vagar, sem vida, sem alma e sem rumo.

Luiz Roberto Liza Curi é Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação

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